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Mortalidade e Saúde Cardiovascular em atletas de endurance

São inúmeras as evidências de que o treinamento aeróbico de intensidade moderada promove adaptações diretamente relacionadas à saúde e à melhoria das funções cardiovasculares. Menos evidentes são os efeitos de cargas com alto volume e/ou intensidade utilizados cotidianamente por atletas de endurance para melhorar o rendimento. A esse respeito, alguns estudos indicam que o estresse oxidativo inerente às sessões muito intensas e desgastantes, provocariam acúmulo de danos nos tecidos e no DNA das células do corpo que não poderiam ser compensados nos rigorosos regimes de treinamento adotados pela elite do esporte.

Neste contexto, pesquisadores como James O’Keefe sugerem que os efeitos do treinamento aeróbico poderiam ser descritos em curva “J” invertida aonde tanto a ausência como o excesso de exercícios seriam deletérios à saúde cardiovascular humana. Em revisão da literatura, esse autor e seus colegas relatam que volumes de corrida que ultrapassem 40Km semanais, em intensidade superior a 11Km/h, não produziriam benefícios adicionais à saúde cardiovascular sendo justificados exclusivamente por aqueles que pretendessem promover melhoras no rendimento.

De fato, tanto a doença arterial coronariana subclínica como anormalidades estruturais do miocárdio e arritmias tem sido constatadas em atletas veteranos de endurance sem que, no entanto, haja adequada compreensão fisiológica destes fenômenos. Outros trabalhos também já demonstraram através de exames de sangue e ecocardiografia, indícios de lesão no miocárdio com provisória redução da força de ejeção ventricular após corridas com mais de 3 horas de duração.

Entretanto, em recente meta-análise que reuniu vários estudos que investigaram o impacto de três décadas de treinamento de endurance sobre a saúde cardiovascular, demonstrou-se que para cada incremento de 1ml.Kg.min-1 no consumo de oxigênio proporcionado pelo treinamento, reduzia-se em 9% a mortalidade por doença cardiovascular. Outros trabalhos sugerem também que não existiria comprometimento na longevidade de ex-atletas da elite dos esportes de endurance e que em muitos casos, estes indivíduos apresentariam longevidade significativamente superior à população geral.

Muito mais estudos precisam ser realizados envolvendo atletas expostos a várias décadas de treinamento aeróbico para que possamos compreender o impacto deste comportamento sobre a saúde cardiovascular humana. Em meio a epidemia global de sedentarismo, quando a prática de atividades físicas regulares se apresenta como uma necessidade imperiosa à saúde humana, é no mínimo paradoxal que seja preciso discutir o efeito dos excessos.

Referências:
Eijsvogels, T. M. H. et Al. The “Extreme Exercise Hypothesis”: Recent Findings and Cardiovascular Health Implications. Curr Treat Options Cardio Med (2018) 20: 84.
O’Keefe, J. H. & Lavie, C. J. Run for your life…at a comfortable speed and not too far. Heart (2013) 99: 516-519.

Runacres, A. et al. Health Consequences of an Elite Sporting Career: Long‑Term Detriment or Long‑Term Gain? A Meta‑Analysis of 165,000 Former Athletes. Sports Medicine (2021) 51:289–301.

Roger de Moraes
Ex-triatleta Profissional, Professor de Fisiologia Geral
Doutor em Ciências com Pós-Doutorado no Laboratório de Investigação Cardiovascular do Instituto Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz

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