Tales Camargo, finisher em Kona 2022 após superar um câncer

Triatleta amador supera um câncer na tireóide e volta ao esporte para finalizar o Ironman Hawaii

De todas as lutas que Tales Camargo já teve em sua jornada pessoal, a última foi a mais dura e difícil, ter êxito em superar um câncer na tireóide para, depois ter condições de regressar ao esporte e comemorar sua maior vitória numa terra perfeita para isso, Kailua-Kona, no Hawaii, considerado um lugar cheio de simbolismo e espiritualidade para todos que têm a oportunidade de conhecer a chamada “Big Island”.

O início de Tales no esporte, aos 13 anos, não tem a ver com o triathlon, mas com uma atividade complementar ao nadapedalacorre, a musculação, onde teve a oportunidade de treinar mais seriamente, chegando a competir até aos 24 anos como fisiculturista amador. Paralelamente a isso, já professor de Educação Física, trabalhava no Reebok Sport Club, em São Paulo, onde havia um grupo de Corrida (Nova Equipe) coordenado pelo professor Emerson Bisan.

“Lembro que competi fisiculturismo em um final de semana e no outro estava correndo um revezamento em Ilhabela, pesando 95kg! A partir daí, cada vez mais fui me dedicando à corrida, e a musculação foi ficando só como uma manutenção. Foram três anos com provas de 5 e 10km, algumas de 21km, quase todos os finais de semana, até fazer a primeira maratona”, relembra Tales.

Foi quando Felipe Pita, outro amigo professor e triatleta, o incentivou a começar a pedalar. No começo evoluiu bem, devido a facilidade de transferir todo trabalho de força dos anos de musculação, mas, para virar triatleta ainda faltava o segmento mais difícil para quem não praticou a modalidade desde criança, a natação, sem contar que Tales ainda contava com uma grande massa muscular, herança do período dedicado fisiculturismo. “Entendi que nunca seria um bom nadador, mas precisava me dedicar muito para essa modalidade não me atrapalhar nas outras”, revela ele.

Tales Camargo virou triatleta e começou a participar de provas de duathlon, biathlon e sprint, evoluindo até 2009, quando fez seu primeiro Meio Ironman; no ano seguinte, já concluiu o Ironman Brasil e não parou mais, fazendo um total de 12 provas da distância Ironman full (sendo duas delas em Kona) e 12 provas de Ironman 70.3 (sendo quatro delas em Mundiais).

Ele acredita que evoluiu muito também por ter morado quatro anos na cidade histórica de Paraty, que reúne boas condições para treinamento devido ao terreno, altimetria e a logística mais facilitada, pois saía para treinar já da porta de casa. Neste período Tales conseguiu bons resultados esportivos, como o bicampeonato na Ultramaratona 75km Bertioga x Maresias e vitória nos 50km Endurance XTERRA. Em 2016, ele também foi vice-campeão do UB515 Ultraman Brasil, numa bela disputa com Ivan Albano.

Em 2018 retornou a São Paulo e teve de adaptar sua rotina para treinos indoor, tanto de ciclismo quanto de corrida, já que o trabalho como personal trainer, a dificuldade de deslocamento na cidade por causa de trânsito e segurança atrapalham muito o processo de treinos. “Mas consigo manter, semanalmente, um volume médio de 10 a 12km de natação, 350 a 500km de bike, 60 a 70km de corrida. Divido isso entre a semana e não vejo a necessidade de ‘day off’, mas sim de treinos leves, de baixa intensidade, que vão me ajudando tanto na recuperação como na manutenção deste volume semanal”, conta.

A NOTÍCIA INESPERADA

Em 20 Dezembro de 2021, Tales resolveu fazer um check-up para ver como estava o corpo, ainda mais depois de concluir a 1ª edição do BIKINGMAN, um prova de ciclismo de 1000km, com 19mil de acumulado em cinco dias, onde foi campeão na categoria dupla. Foram feitos exames laboratoriais de rotina, onde todos se encontraram perfeitos, mesmo após o esforço da prova. Entretanto, pela primeira vez ele fez também uma ultrassonografia de carótida e tireóide, onde foi constatado um pequeno nódulo, de apenas 5mm, mas com uma formação muito suspeita. Exames complementares foram solicitados e no dia 7 de março foi diagnosticado um carcinoma papilífero, que é um tipo de câncer na tireóide.

“Foi um grande susto, pois não tinha sintomas e os exames de sangue, mesmo os da tireóide, estavam perfeitos. Depois de consultas com especialistas, onde alguns indicaram só acompanhar a cada três meses para verificar se haveria ou não crescimento do nódulo, o Dr. Frederico Aun me explicou sobre a importância e o risco de esperar, então decidimos operar o quanto antes. A cirurgia foi realizada com sucesso no dia 28 de abril, no hospital Oswaldo Cruz, com o Dr. João Carlos Ferreira. Essa cirurgia tem seus riscos e um deles é a perda definitiva da voz. Já no quarto, sentia um incômodo grande para falar e comer, mas achei que era normal. Depois de ter alta e poder voltar para casa, a voz só piorava e aumentava a preocupação. Para nossa surpresa, o laudo final da biopsia constatou que já havia metástase em alguns linfonodos, com indicação para o tratamento completar de iodoterapia”, revela Tales.

Com 10 dias após a cirurgia, o médico o liberou para caminhar e pedalar 20 minutos no rolo, mas estava totalmente sem forças. Foi aumentando cinco minutos por dia e pedalava até nos dias da iodoterapia. “De volta à minha casa, agora sim iniciava o tratamento de modulação do hormônio da tireóide com Synthroid. A bike já estava no rolo e pedalava de 45 min a uma hora; a voz ainda não tinha melhorado e fui alertado que podia demorar até seis meses para voltar à normalidade, mas aconteceu ao final do segundo mês, após fazer ‘fono’ e alguns exercícios específicos. Aproveitei e comecei a aumentar gradativamente tanto o volume quanto a intensidade da bike no rolo. Eu não tinha perdido a esperança que iria para o Ironman Hawaii em outubro, mas antes teria o teste decisivo, o duro Alpe d’Huez Triathlon, adiado de 2020 para 2022 por causa da pandemia de COVID, que seria exatamente três meses depois da minha cirurgia. Sem nenhum day off após a última internação para iodoterapia, fiz a viagem com a ideia de concluir a prova e ainda conseguir pedalar mais alguns dias na região para ganhar mais condicionamento pensando em Kona. Prova concluída agradecendo a Deus em todo o percurso, tanto por me sentir vivo quanto pela beleza do lugar; voltei com a medalha de finisher e com as pernas mais fortes ainda”, disse Tales, e completa: “Faltando menos de dois meses para Kona, comecei a pedalar na bicicleta de triathon, pois até então só estava usando a road bike devido ao incômodo da posição do pescoço. A natação ainda era uma dificuldade e continuava a usar o snorkel e treinos com um volume baixo. Na bike eu estava cada vez mais confiante e a corrida fui mantendo os treinos na esteira. Cinco meses depois da cirurgia chegamos no Hawaii, eu e minha esposa, que esteve sempre ao meu lado, me incentivando em todo processo e confiando que eu estava fazendo o certo, o que foi fundamental para mim”.

KONA 2022

Tales preferiu nadar por fora da confusão, sem encostar em ninguém. Fez a T1, subiu na bike confiante e “desceu o martelo”. Como era a modalidade que estava mais treinado, com 40km de prova já havia passado mais de 100 atletas. Voltou de Hawi, onde é o retorno da etapa de ciclismo e continuou forte. Ao final dos 180km havia feito o melhor ciclismo entre os triatletas amadores brasileiros participantes, com o tempo de 4:37:28,  39.15km/h de média.

Tales fez a T2 rapidamente e, nos primeiros quilômetros da maratona, suas mãos começaram a formigar. “Achei que seria a posição do clip, mas não era; quando eu andava, parava, foi um sensação muito estranha e comecei a ficar preocupado, então tentava trotar e caminhar para diminuir essa sensação, mas no km 22, quando chega perto da pior parte da corrida, o Energy Lab, onde o calor é muito pior, não dava mais para trotar e a uma lesão antiga do tendão de Aquiles piorava muito quando caminhava. Mas não tinha outra opção, então do km 28 até o final foi uma longa caminhada, suficiente para pensar e agradecer por tudo o que foi esse ano. Kona está ‘ticado’ por alguns anos e ter a Vivian aqui em todos os retornos que passei foi especial, fundamental para ir até final. Essa ilha é incrível com sua energia e só de estar em Kona já fui o maior vencedor!”, finaliza Tales.

PERFIL

Tales Camargo Galbier
Nascimento: 20/02/1980
Cidade: São Paulo
14 anos de triathon
Nutricionista: Ciça
Fisioterapeuta: Fernando
Bike: Trek Concept
Capacete: Rudy
Sapatilha: Bontrager
Tênis: New balance Prism
Roupa de Borracha: Aquasphere
Óculos de natação: Speedo
Apoio: Joinsports / Visual Bike

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