Envelhecimento e performance no esporte: É possível atenuar os efeitos do tempo

Dados indicam que o volume de treino semanal constitui um preditor positivo significativo nas mudanças relacionadas à idade na capacidade aeróbica

Por Eduardo Figueiredo

Vivemos em uma época onde a expectativa de vida tem aumentado, juntamente com uma mudança demográfica populacional mudando em favor de uma população mais idosa (> 60 anos), sendo esperado um aumento dessa população de 800 milhões para 2 bilhões nas próximas quatro décadas, o que representará 22% da população mundial até 2050.

O envelhecimento ocorre inevitavelmente com o tempo em todos os organismos e emerge em um nível molecular e celular, com moduladores genéticos, epigenéticos e ambientais. Indivíduos com a mesma idade cronológica exibem trajetórias diferentes de declínio relacionado à idade, por isso é importante avaliar a idade biológica distintamente da idade cronológica.

Sem dúvida atletas Masters são uma fonte de inspiração, pois estabelecem e redefinem o limite superior do que é possível na performance atlética durante o envelhecimento. Alguns atletas vêm nos mostrar o quanto nos limitamos mentalmente e fisicamente, por exemplo, o velocista japonês Kozo Haraguchi era um cara pequeno fisicamente, porém grande em atitude. Medindo 1,46 cm de altura e pesando 38 kg, ele quebrou o recorde mundial dos 100 metros para a faixa etária de ≥ 95 anos com o tempo de 22,04 segundos. Não satisfeito, Haraguchi decidiu correr outra prova 2 meses depois e, para surpresa de muita gente, quebrou seu próprio recorde estabelecendo o tempo de 21,69 segundos. Outro exemplo de performance incrível foi realizado pelo maratonista Ed Withlock, sendo o primeiro e único corredor com mais de 70 anos a correr uma maratona abaixo de 3 horas. Mostrando a mesma atitude de Haraguchi (persistência), ele continuou treinando e veio a se tornar a pessoa mais velha a correr uma maratona abaixo de 4 horas, feito realizado aos 85 anos. Mitsu Morita atleta de 88 anos realiza treinos diários em uma pista de atletismo, e não pense que são treinos fáceis, frequentemente ele é visto correndo puxando e arrastando um pneu amarrado à sua cintura por uma corda.

E para aqueles que pensam que para realizar tais feitos é necessário treinar desde cedo, esses mesmos atletas provam que isso não é uma regra, por exemplo, o ciclista francês Robert Marchand estabeleceu um novo recorde mundial de ciclismo ao percorrer 22,6 km em 1 hora aos, pasmem, 105 anos de idade! E para quem acha que ele foi atleta desde cedo, enganou-se, ele foi jardineiro, vendedor de vinho e motorista de caminhão a maior parte de sua vida não praticando treinamentos específicos até os 76 anos quando se aposentou. O próprio Haraguchi, começou a correr aos 65 anos e só veio a correr provas de velocidade aos 76 anos de idade.

Você pode me dizer que esses atletas são um ponto fora da curva, e que poucos são os atletas que rivalizam com eles. Apesar de isso ser em parte verdade, não tira o mérito de suas conquistas. Quantos estão dispostos a fazer o que eles fazem com a idade deles? Mas vamos dar um exemplo mais dentro da realidade competitiva. A nadadora Dara Torres de 41 anos participou das olímpiadas de Pequim em 2008 sendo medalhista de prata nas 3 provas que participou. Nos jogos olímpicos do Rio, a velejadora argentina Cecilia Carranza Saroli foi a medalhista de ouro mais velha, com a idade de 54 anos. Ainda nos jogos do Rio vale lembrar do feito do nadador americano Anthony Ervin, que aos 35 anos venceu uma das provas mais difíceis para um atleta de sua idade, os 50 m livre, onde é necessário um nível de explosão muscular que geralmente só é observado em atletas mais jovens.

Isso pode ser surpreendente, considerando o fato de que os níveis absolutos de desempenho atlético aumentaram dramaticamente e sofreram transformações substanciais durante o mesmo período de tempo. Essas observações indicam que os atletas de elite foram capazes de atenuar ou mesmo prevenir as reduções associadas à idade na capacidade funcional máxima para idades posteriores. A partir de agora tratarei de alguns pontos que podem explicar esse fenômeno.

Uma medida funcional importante que contribui muito para avaliar a redução associada à idade na aptidão funcional fisiológica é a capacidade máxima de exercício aeróbico, medida pelo consumo máximo de O2 ou VO2 max. A manutenção da capacidade aeróbica máxima é um componente importante de um envelhecimento bem-sucedido. A redução da capacidade aeróbica máxima relacionada à idade também está associada ao aumento da prevalência de doenças cardiovasculares. Mais especificamente, valores mais baixos de VO2 max estão associados a perfis de risco de doença coronariana menos favoráveis, bem como a maior mortalidade e morbidade cardiovascular. Realmente, atletas masters apresentam um VO2 max mais elevado que os seu pares sedentários em qualquer idade, por exemplo, observações em atletas octogenários demonstrou que o VO2 max dos atletas masters (38 mL/Kg/min) foi quase duas vezes maior que o de seus equivalentes sedentários (21 mL/Kg/min). Lembra do ciclista francês, Robert Marchand? O seu VO2 max aos 103 anos de idade era de 35 mL/Kg/min (melhor de que muitos jovens), e mais interessante é que para se preparar para esse contra-relógio de 1h, ele treinou durante 2 anos e aumentou seu VO2 max de 31 mL/Kg/min para 35mL/Kg/min. Sendo assim, atletas Masters desfrutam de maiores níveis de capacidade funcional fisiológica ao longo do envelhecimento adulto em comparação com pares sedentários. Isso contrasta fortemente com a prevalência alta e talvez crescente de idosos frágeis que lutam para se levantar de uma cadeira ou exibem instabilidade na marcha.

Realmente, dados indicam que o volume de treino semanal constitui um preditor positivo significativo nas mudanças relacionadas à idade na capacidade aeróbica. Em atletas Masters geralmente observa-se um declínio de pico de potência aeróbica de cerca de 7% a 14% por década, da mesma forma, outros estudos sugerem que homens idosos ativos perdem potência aeróbica máxima a uma taxa de cerca de 12%, enquanto que as mulheres ativas e mais velhas essa taxa é cerca de 8% por década em idades que variam de 40 a 80 anos, observado junto a isso um declínio acentuado do VO2 max a partir dos 80 anos. Porém, atletas masculinos Masters que podem manter seu volume de treino e intensidade podem minimizar o declínio do VO2 max em cerca de 5% a 6,5% por década, mas esses valores aumentam para até 26% em atletas que reduzem o volume e intensidade do seu treinamento podendo alcançar até 46% de redução por década para aqueles que param de treinar completamente.

Alguns mecanismos moleculares, como o encurtamento dos telômeros, são implicados no processo de envelhecimento. Os telômeros são a extremidade dos cromossomos, sendo responsáveis pela integridade do DNA. Durante sucessivas divisões celulares, os telômeros impedem a perda de pares de base (C-G e A-T) do DNA cromossômico, mantendo assim a estabilidade genômica ao longo do ciclo celular. A cada divisão o telômero encurta mais, até que ele se torne curto suficiente para que a célula não possa mais se dividir. A diminuição do comprimento dos telômeros com o envelhecimento contribui para senescência celular (parada dos ciclos de divisão celular), sugerindo que o comprimento dos telômeros pode ser um marcador celular potencial para o envelhecimento biológico.

Evidências recentes sustentam que o comprimento dos telômeros de leucócitos e células musculares esqueléticas pode estar positivamente associado a uma vida saudável e inversamente correlacionado com o risco de várias doenças relacionadas à idade, incluindo câncer, doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes, dor crônica e estresse. Além disso, o comprimento dos telômeros dos leucócitos está positivamente associado ao número de anos de vida saudável, sugerindo que o comprimento dos telômeros dos leucócitos é um potencial biomarcador para o envelhecimento saudável. Embora a relação do comprimento dos telômeros e atividade física permaneça incerta, vários mecanismos potenciais pelos quais a atividade física ou o exercício podem afetar o comprimento dos telômeros são discutidos, incluindo alterações na atividade da telomerase (uma enzima DNA polimerase que mantém o comprimento dos telômeros através da adição de sequências repetitivas do DNA na região dos telômeros), estresse oxidativo, inflamação e diminuição do conteúdo de células satélites do músculo esquelético.

Em estudos observacionais, níveis mais altos de atividade física ou exercício estão relacionados a comprimentos de telômeros mais longos em várias populações, e atletas tendem a ter comprimentos de telômeros mais longos do que não atletas, sendo essa relação particularmente mais evidente em indivíduos mais velhos. Com relação a isso, é interessante ressaltar que parece haver uma dose resposta entre comportamentos mais ativos e comprimento dos telômeros, onde foi observado que indivíduos participantes de corridas de longa distância mostraram atividade elevada da enzima telomerase, proteínas estabilizadoras de telômeros aumentados e, consequentemente, diminuição da degradação dos telômeros em leucócitos circulantes.

Embora o comprimento dos telômeros e seu desgaste ao longo do tempo seja extremamente variável entre os indivíduos, acredita-se que seja estável desde a infância até a idade adulta, mas começa a diminuir na idade adulta avançada. A avaliação do efeito do exercício aeróbico moderado e intenso no músculo esquelético e comprimento dos telômeros de leucócitos em indivíduos jovens e idosos demonstrou que na população idosa de atletas os indivíduos tinham os telômeros dos leucócitos significativamente mais longos em relação aos indivíduos da mesma faixa etária não atletas. No entanto, o mesmo padrão não foi observado na população de atletas e não atletas jovens, corroborando a ideia de que os comprimentos dos telômeros em adultos jovens sedentários ainda não tenham sofrido desgaste, mas podem eventualmente ser afetados pela atividade reduzida da telomerase se o estilo de vida sedentário continuar.

Uma possível explicação para a possível preservação do comprimento dos telômeros através do treinamento aeróbico está nas mudanças fisiológicas observadas com esse tipo de treinamento. Estudos mostraram que exercício aeróbico ao longo de seis meses levou a um comprimento dos telômeros significativamente mais longo em adultos mais velhos que estavam anteriormente inativos e altamente estressados em comparação com controles sedentários. A redução dos níveis de inflamação e estresse oxidativo com o exercício aeróbico pode ter resultado no aumento relatado dos telômeros. Além disso, o exercício de endurance foi fortemente ligado a telômeros mais longos em uma população de atletas: corredores de ultra-distância tiveram o comprimento dos telômeros leucocitário 11% mais longo em comparação com seus pares, o que equivale a aproximadamente 16 anos de encurtamento de telômeros relacionados à idade. Já em triatletas, um estudo demonstrou que o exercício de alta intensidade foi superior na preservação do comprimento dos telômeros em relação ao treinamento de intensidade moderada, evidenciando que a intensidade do treinamento pode impactar na preservação da integridade dos telômeros.

Independente do que falem, no fim das contas, a maneira como você vai envelhecer é uma escolha sua. Envelhecer como os atletas citados no texto com certeza trará mais leveza e sobriedade ao final do ciclo de vida! Trata-se de estar não somente bem fisicamente, mas principalmente, mentalmente. Talvez todos esses atletas Masters não tenham tempo para pensar em doenças, pois na maior parte do tempo eles estão pensando em mais um dia de treinamento e como superarão os limites impostos pelo envelhecimento, ou seja, eles se mantêm em um processo contínuo de estabelecer um objetivo de melhora a curto e longo prazo em suas vidas. Já para os outros, como diria um grande mestre que conheço de 78 anos de idade e muito ativo, “só restará o controle remoto da televisão”.

Prof. Eduardo Figueiredo
Graduado em Educação Física
Especialista em Fisiologia do exercício
Mestrando em Oncologia – PPGO / CPQ – INCA
Professor de ciclismo da equipe Cordella team
Professor da clínica de reabilitação cardíaca MEDSPORT
Personal trainer
@prof.edu.figueiredo

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