Até que ponto os antioxidantes podem neutralizar os efeitos do treinamento?

Entenda realmente o papel do “vilão" radicais livres e sua implicância no corpo do atleta

Oxidar mais gordura para poupar glicogênio. No contexto da suplementação, o sonho idílico do atleta de endurance tem sido sistematicamente preterido por evidências que demonstram a pouca eficácia de suplementos de cafeína em elevar significativamente a concentração de ácidos graxos no sangue.

Ainda que o efeito exista, na prática ele parece ínfimo e melhorias do rendimento proporcionadas por tal suplementação não estariam associadas a este mecanismo.

Mas o que dizer sobre o vinho? Alguns estudos têm sugerido que o ácido elágico, substância presente no vinho tinto, contribuiria positivamente para induzir a oxidação de gorduras. Embora o estudo tenha sido realizado em células de roedores e envolva substância isolada derivada de uvas, ele indica que moléculas químicas naturalmente presentes no mundo vegetal podem influenciar o metabolismo humano.

Esse é o caso do resveratrol, outra substância encontrada na casca da uva que já foi considerado mimético do exercício. Neste caso, o consumo deste composto fenólico produziria efeitos sobre a saúde e o rendimento humano que seriam análogos ao do exercício.

Será? Bom, é verdade que roedores suplementados com resveratrol tiveram aumento da síntese de novas mitocôndrias cuja densidade nas fibras musculares relaciona-se com a saúde e o rendimento aeróbico. A dose estudada equivaleria a 140mg por Kg ou cerca de 10g para uma pessoa de 70Kg, quantidade muito maior do que aquela presente em um copo de vinho que parece reunir no máximo em torno de 1mg.

Ainda que tecer comparações entre ratos e humanos sejam inadequadas, a dose que produziu efeito em roedores equivaleria a 10.000 copos de vinho, algo que nem mesmo os leitores já com o título de “Ironman” deveriam tentar consumir.

Para além dos meios de obter resveratrol, será mesmo que tal substância seria capaz de mimetizar os efeitos do treinamento físico? Novas evidências indicam que não! Além de não exercer qualquer impacto na força, oxidação de gorduras ou VO2 máximo, o resveratrol abole os efeitos adaptativos induzidos pelo treinamento em mecanismo possivelmente associado com sua ação anti-oxidante.

Tudo indica que embora radicais livres produzam efeitos oxidantes associados a lesões celulares, dependendo da quantidade, também sejam necessários para induzir efeitos adaptativos benéficos. Neste caso, sua neutralização generalizada por agentes anti-oxidantes aniquilaria o efeito positivo do treinamento.

Radicais livres são espécies reativas derivadas do oxigênio e capazes de reagir e oxidar membranas celulares. Em excesso prejudicam a função celular mas sua eliminação também compromete a adaptação.

Outros estudos que testaram a suplementação de anti-oxidantes como a vitamina C demonstraram que tal procedimento de fato abole os efeitos adaptativos do exercício exatamente por impedir a sinalização tecidual mediada pelos radicais livres.

Estamos diante de um caso clássico de “hormese” aonde uma quantidade ótima de radicais livres, nem o excesso nem a escassez, é necessária para promover os efeitos positivos associados ao treinamento.

Em termos práticos, isso significa que a menos que possamos medir a magnitude do estresse oxidativo durante o exercício, que a suplementação com anti-oxidantes pode sabotar as adaptações esperadas pelo atleta com determinadas sessões de treinamento. PMID: 33356471; 21115559; 26638792; 25606815; 26482865.

Roger de Moraes
Ex-triatleta Profissional, Professor de Fisiologia Geral
Doutor em Ciências com Pós-Doutorado no Laboratório de Investigação Cardiovascular do Instituto Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz

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