7H21, Blummenfelt e a ciência

Por onde passa o segredo dos triatletas noruegueses e a performance de Blummenfelt no Ironman Cozumel?

Uma das explicações para a exponencial popularidade mundial do triathlon, é a capacidade de atletas e treinadores assimilarem rapidamente os avanços tecnológicos disponíveis e adapta-los para maximizar o rendimento neste esporte. Se em 1982, nove horas e vinte minutos, representava um dos melhores tempos do Ironman, em 40 anos, a mesma distância já é percorrida duas horas mais rápida.

A melhoria contínua do rendimento tem sido verificada em várias modalidades esportivas de “endurance”, e de uma forma geral, envolve o aprimoramento da eficiência mecânica e das possibilidades de se ampliar e utilizar o VO2 máximo. Embora esse processo dependa da massificação de atletas praticando o esporte e da seleção de talentos, as melhorias no controle do treinamento e das estratégias de competição aceleraram a expressão das manifestações adaptativas de atletas bem supervisionados.

Neste contexto, atletas noruegueses sempre foram conhecidos por seu alto desempenho no cross-country esqui. Com consumo máximo de oxigênio excedendo os 80 mL.min-1.Kg-1, ilustravam os tratados de fisiologia simbolizando a incrível tradição de desenvolvimento da capacidade aeróbica desses atletas de “endurance”.

Nos últimos anos, depois do avassalador desenvolvimento do triathlon europeu, os noruegueses voltam a impressionar com rendimentos de “endurance” dignos de estudo. Neste sentido, como Kristian Blummenfelt foi capaz de pedalar a quase 45Km/h e correr a 3'40"/Km para completar o Ironman em 7h21min12s?

Entre tantas respostas, uma delas diz respeito à consistência de suas sessões de treinamento que conjugam metodologias pautadas na promoção de adaptações específicas sem incorrer em “overtraining”. Se no passado as definições de intensidade e volume destas sessões eram intuitivas e baseadas na experiência ou em controles da frequência cardíaca e níveis de lactato no sangue, hoje, outras informações metabólicas estão disponíveis para contribuir na determinação dos ritmos de treinamento e competição.

Tais inovações são importantes pois no triathlon existe forte tendência de atletas treinarem de forma muito mais intensa do que deveriam e de realizarem a primeira metade da competição muito mais rápida que a segunda. Esses erros somam-se às incertezas em relação ao quanto de calorias se deveria consumir durante o exercício prolongado a fim de não prejudicar a expressão da potência desejada, algo que invariavelmente incentiva o consumo de glicose de forma dessincronizada com as necessidades metabólicas.

Mas como corrigir isso e encontrar o ritmo individual de treinamento e competição? O fisiologista Olav Aleksander Bu que participa do treinamento de Blummenfelt e de outros triatletas noruegueses, acredita no monitoramento e na análise contínua de sinais fisiológicos expressos durante o exercício. Em uma de suas iniciativas, procura conhecer a taxa de degradação de glicogênio relacionada à potência de exercício gerada e associa-la à quantidade de carboidratos (CHO) que deveriam ser consumidas individualmente por hora de esforço.

Tal iniciativa representa avanço na estratégia nutricional para maximizar o rendimento aeróbico. De fato, protocolos de 40-90g de CHO por hora outrora utilizados para postergar a fadiga, revelam faixa excessivamente ampla que pode não atender às particularidades diversas dos atletas. Assim, se o consumo de pouco CHO leva ao esgotamento precoce das reservas de glicogênio intramuscular, consumir muito, ao estimular a secreção de insulina, também poderá inviabilizar a oxidação de gorduras e contribuir igualmente para a utilização precoce do glicogênio.

A esse respeito, uma das mais conhecidas causas de fadiga no exercício prolongado realizado em alta potência é o esgotamento do glicogênio estocado nas fibras musculares. A identificação do ritmo de exercício e a interpretação das taxas de oxidação de substratos têm sido possíveis graças aos avanços da ciência, e hoje, a potência de esforço pode ser instantaneamente associada aos níveis glicêmicos e com o ritmo de utilização de glicogênio.
Se pedais com medidores de potência e aparelhos de monitoramento on-line da glicemia são bem conhecidos do público, como estimar a taxa de utilização de glicogênio e com isso definir o ritmo de prova e de consumo de glicose durante o exercício intenso? A equipe de Olav Bu consolidou uma prática antes restrita ao laboratório aplicando-a no cotidiano do treinamento. Passou a medir em campo a razão dos espectros de massa dos isótopos de carbono em amostras do gás carbônico expirado durante o exercício.

Como o glicogênio endógeno possui eminentemente átomos de carbono 12 (C12), consumir glicose com carbono 13 (C13) durante o exercício, permite a compreensão da origem do carboidrato oxidado durante a natação, o ciclismo e a corrida. De fato, a análise da razão entre C12 e C13 no gás carbônico expirado, surge ao lado dos antigos registros da frequência cardíaca, temperatura corporal, taxa de produção de suor e níveis de lactato no sangue, como mais um recurso importante para definir os diferentes ritmos das metodologias de treinamento.

Tal informação é de grande relevância para se determinar ritmo de treino que não seja intenso demais para promover fadiga aguda e/ou crônica ou excessivamente lento e, portanto, incapaz de promover adaptações positivas.

A esse respeito, se o exercício realizado a 60% da máxima potência aeróbica prioriza o metabolismo de gorduras, ele é incapaz de recrutar unidades motoras necessárias para realizar o Ironman em alta intensidade aeróbica.

Assim, triatletas tendem a treinar forte. Mas neste caso, a hiperatividade simpática pode reduzir o fluxo de sangue para os adipócitos e atenuar a secreção de insulina que tem efeito vasodilatador. Tal situação comprometeria a oxidação de gorduras e aceleraria o uso do glicogênio, induzindo fadiga precoce indesejada e prejudicando as adaptações que dependem da presença continuada de sinalizações celulares. Desta forma é relevante saber quão forte se deve treinar.

Por outro lado, o consumo excessivo de glicose no exercício intenso, além de promover desconforto gástrico e prejudicar a hidratação, também produz acúmulos de malonil-CoA que interferem negativamente na oxidação das gorduras e aceleram a degradação de glicogênio e a formação de lactato. Assim, é indispensável conhecer o volume exato da solução com glicose a ser consumida em determinada intensidade de exercício.

Depreende-se do exposto que identificar o ritmo de treinamento e subsequentemente o ritmo de prova são aspectos essenciais ao atleta que almeja o alto rendimento no triatlo. Mas afinal, qual o ritmo de prova e qual a quantidade de glicose que deveriam ser consumidos durante o triatlo para maximizar o rendimento? Correlacionar a análise da razão de isótopos de carbono nos gases expirados permite identificar a exata quantidade de carboidratos a ser consumida para determinada intensidade de exercício à fim de preservar a degradação de glicogênio até os últimos quilômetros de prova.

Ao lado das variações no peso corporal e de estudos hematológicos e da variabilidade da FC, esse conjunto de informações auxiliam na definição do ritmo de competição. Com esses recursos cada vez mais disponíveis aos atletas, quantos mais serão capazes de fazer o Ironman em menos de 7h30 nos próximos anos?

Roger de Moraes
Ex-triatleta Profissional, Professor de Fisiologia Geral
Doutor em Ciências com Pós-Doutorado no Laboratório de Investigação Cardiovascular do Instituto Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz

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