É possível treinar ao mesmo tempo para um triathlon off-road e um convencional?

Como distribuir os treinos?

Este tema há um tempo poderia ser bem controverso, mas hoje em dia já é bem aceito, ou melhor, já faz parte da rotina de muitos triatletas. Podemos analisar de duas maneiras, uma bem mais simples que a outra.

Se você é um triatleta off-road, certamente boa parte dos seus treinos já são similares a de um triatleta “convencional”. Analisando por modalidades, a natação é similar, pois ambas têm distâncias iguais (em quase todos os casos), no mesmo meio e mesmo treinamento. Não vou me aprofundar no mérito da importância desta modalidade para o resultado final da prova, mas o fato é que nas provas off-road a natação interfere bem menos neste resultado do que no triathlon “convencional”. A bike usada no dia da prova é bem diferente, sendo uma mountain bike e a outra road, com treinos específicos bem distintos. Assim como a Bike, a corrida também é bem diferente, tanto com relação aos treinos específicos, quanto algumas particularidades acerca do tênis a ser usado.

Citei no inicio o fato de um atleta ser mais dedicado a um tipo de triathlon e treinar também para um outro, pois na maioria das vezes é isso que ocorre. Se você tem por prioridade provas off-road, mas também quer participar de provas no asfalto, pode utilizar os treinos deste tipo de provas tanto para complementar o outro, como também pode optar por deixar seu treinamento mais específico para ambos.

Após um treino duro de MTB, o próximo treino de bike pode ser um regenerativo na estrada (com a bike road) ou até mesmo um treino de força em uma subida pavimentada. Pode também aproveitar esta bike para ganhar mais ritmo, com treinos intervalados bem planejados. Mesmo que a maioria dos treinos, preferencialmente, tenham que serem feitos na MTB, treinos-chave e complementares também podem ser executados na bike de estrada.

Na corrida a mesma coisa, podemos distribuir em treinos específicos usando o terreno similar ao evento e treinos específicos em terreno diferente. Se o objetivo é o ganho de velocidade, podemos trabalhar tanto no terreno irregular quanto na pista. Claro que esta depois tem que ser transferida a velocidade adquirida na pista para a trilha. Digo isso porque o que mais vemos é um atleta off-road treinar muito, ficar veloz, na pista ou em terreno bem pavimentado e não conseguir este ganho no terreno irregular. Mesma coisa se treinou e ganhou força na academia ou na rua e não consegue o mesmo desempenho em uma subida na terra, repleta de obstáculos naturais. Um bom planejamento permite que o atleta tire o melhor dele e de cada treino, seja onde for.

Resumindo o que acabei de falar sobre triatletas mais específicos de provas off-road treinarem e competirem em triathlon “convencionais”, fica claro que além de ser possível, já é o que ocorre naturalmente. O que precisa para que este “combo” seja perfeito é você ter um técnico (Profissional de Educação Física), que consiga distribuir bem os treinos e, no momento certo, deixar mais específico para um ou outro evento.

Falando agora de triatletas de provas “convencionais” treinarem também para provas off-road, ai sim é um assunto que sempre teve mais controvérsia. Eu falo com propriedade, pois quando era triatleta profissional meu técnico não me deixava subir em uma MTB e usava muito pouco o “barro” como local de treino. Para não dizer que nunca usava este tipo de terreno, fazíamos algumas longas de corrida neste terreno, mas não com os fins que hoje acredito ser, também, importante. Acredito, e é hoje muito usada por grandes triatletas, que a MTB pode complementar o treino de bike de um atleta de estrada. A variação de RPM e intensidades que um treino naquela bike proporciona complementa perfeitamente o treinamento se feito no momento certo do planejamento.

A maioria dos triatletas já pula de treinos de iniciantes para performance e se torna um atleta limitado. O que mais vejo é triatleta sem técnica, seja gastando muita energia para se manter em cima da bike (isso em linha reta, vou nem falar em manobrar a mesma), quanto em saber usar as marchas e utilizar variação de RPM a seu favor. Um “rolé” de MTB em um terreno bem irregular já vai fazer o atleta treinar estas valências sem ele querer ou perceber e este ganho é absurdamente mais rápido do que na bike de estrada. Poderia citar muitos outros exemplos de ganhos em se treinar neste tipo de bike, mas o objetivo aqui é só mostrar que é possível e válido. Quem acha que para por aqui se engana, podemos ter este ganho também na corrida, usando os treinos específicos das provas off-road. Treinar corrida em terreno irregular faz com que o atleta fique mais forte. Na contramão do que se fazia e fazem até hoje alguns técnicos, este tipo de terreno não serve apenas para os longos com a finalidade de proporcionar menos impacto. Para que o corpo consiga transferir força-potência no terreno irregular para gerar certa velocidade, ele precisa usar muito mais energia do que em um terreno bem pavimentado. Isto ocorre porque antes mesmo de se impulsionar ele precisa se equilibrar e desta forma o atleta tem um trabalho bem mais completo em seu corpo. No terreno pavimentado isto também ocorre, mas com menor intensidade, e o trabalho de mobilidade e estabilidade no outro terreno fica bem mais evidente. Melhorando este equilíbrio, o atleta consegue gerar muito mais potência e, consequentemente, fica mais veloz. Além disso, subir montanhas e ainda transpor obstáculos naturais faz com que o atleta trabalhe força e outros pontos específicos da corrida, como flexão de coxa que é fundamental para a melhora dessa (corrida). Estabilidade, mobilidade, velocidade, força, valências fisiológicas são alguns dos ganhos obtidos se você souber usar cada treino a seu favor, tanto na corrida quanto na bike. Cabe, certamente, ao técnico, determinar a hora certa de cada tipo de treino, pois a chance de uma lesão ocasionada por um treino em um terreno irregular, seja uma queda na MTB ou uma torção do pé em uma pedra ou vala na trilha, é bem maior e não queremos que isto ocorra com nosso atleta nas vésperas de uma competição importante.

Cid Barbosa é triatleta e treinador da CB Sports

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